Texto de introdução do livro “A Solução Interior:
descubra o potencial de cura que há em você” de Thierry Janssen. Recomendo a
todos a leitura, especialmente aos profissionais da área da saúde.
O COMEÇO DE UMA REVOLUÇÃO MÉDICA
Quando eu trabalhava em hospital,
o futuro da medicina parecia-me essencialmente ligado aos avanços da genética,
das neurociências e da robótica cirúrgica. [...] Sobrecarregado de trabalho,
como a maioria de meus colegas, eu vivia num universo fechado, e estava longe
de imaginar que, lá fora, muitos pacientes procuravam terapeutas cujas práticas
não eram ensinadas na universidade. O que eles encontravam junto a esses
terapeutas “alternativos” ou “complementares” nada tinha a ver com a tecnologia
sofisticada da medicina moderna. Tratava-se, antes, de uma certa qualidade de
conto humano, de uma escuta diferente, de bom senso e, sobretudo, do despertar
de um potencial de cura que está adormecido em cada um de nós.
[...]Só depois de deixar o cargo
de cirurgião na Universidade de Bruxelas descobri a importância do fenômeno. Foi
um pouco inesperado, já que, no início, minha motivação não era pesquisar
outras formas de tratamento, e sim entender a natureza das relações entre o
corpo e o espírito. Nesse contexto, fui levado a estudar as medicinas indiana e
chinesa, a fazer contato com quiropráticos e osteopatas, a experimentar a
massagem e o shiatsu, a praticar meditação, o ioga e o qigong, a me formar em
diferentes terapias psicocorporais, e também na hipnose, e até (iniciativa das
mais desconcertantes para um cirurgião) a me iniciar em certas práticas
xamânicas com curadores tradicionais. Essas experiências revelaram-se
apaixonantes, contribuindo para esclarecer minha compreensão dos processos da
doença e da cura. Mas, por estar condicionado por minha educação científica, eu
estava convencido de que os universos terapêuticos que eu acabara de explorar
continuariam sendo paralelos ao nosso, e jamais seriam integrados à medicina
convencional.
Mas mudei de opinião. Afinal,
várias estadas nos Estados Unidos permitiram-me constatar que, em reação a
mudança de hábitos da população, o pragmatismo da sociedade americana vem
criando uma série de condições que podem, com o tempo, transformar
profundamente o cenário médico.[...]
UMA FILOSOFIA DIFERENTE
Esse
interesse por outras formas de tratamento médico parece perfeitamente
justificado quando sabemos que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS),
80% dos sistemas de tratamento no mundo envolvem medicinas tradicionais.
Na
verdade, a maioria das terapias alternativas e complementares deriva
diretamente das medicinas tradicionais. Algumas são muito antigas. A OMS as
define como “um conjunto de práticas nas quais os pacientes são considerados em
sua globalidade, dentro de seu contexto ecológico. Essas terapias insistem no
fato de que a doença ou o mau estado de saúde não é causado apenas por agente
externo ou uma disposição patológica específica, sendo antes de tudo
consequência do desequilíbrio de uma pessoa em relação a seu sistema
ecológico.”
Em
outras palavras: as terapias alternativas e complementares levam em conta
diferentes dimensões do ser humano – física (o corpo e o movimento), emocional
(as sensações e os sentimentos), intelectual (o cérebro e suas capacidades
cognitivas) e espiritual (a compreensão de si mesmo, do mundo e dos aspectos
transcendentes da vida) -, em estreita relação com o ambiente. De seu ponto de
vista, a boa saúde é definida como um estado de equilíbrio, uma relação
harmoniosa entre o corpo, as emoções e os pensamentos de um indivíduo. Elas
recomendam, assim, uma comunicação fluida entre esses três aspectos do ser
humano e relações inteligentes entre o indivíduo, seus semelhantes e o meio em que vive.
A
abordagem é ampla, global, holística. Muito diferente daquela a que se
habituaram as mentalidades ocidentais. E não por acaso: no Ocidente, desde
Aristóteles, o mundo é considerado como um conjunto de elementos individuais,
separados e isolados. E, desde René Descartes, só se pode estudar o que é
visível, perceptível, físico e material, ficando o imaterial entregue apenas às
religiões. Operando essa dicotomia, Descartes e, depois dele, filósofos do
Iluminismo favoreceram o surgimento de uma visão fracionada do ser humano. De
um lado, há o corpo; de outro, o espírito. Reduzido à sua dimensão material, o
corpo é descrito como uma mecânica precisa, lógica e sequencial. Seus elementos
constituintes são objetivados, classificados e analisados nos mais ínfimos
detalhes. Submetidos a natureza e o universo inteiro à mesma lógica,
certesianismo, reducionismo e materialismo encontram-se na origem das maiores
descobertas da ciência ocidental.
Em
medicina, o reducionismo permitiu enormes progressos. Simultaneamente, está na
origem de uma crise significativa. Pois o fato é que, de tanto considerar o
corpo como objeto, a ciência médica
esquece que o ser humano também é feito de pensamentos, crenças, sentimentos e
emoções. Por isso, muitos doentes se queixam de estar sendo reduzidos ao
conjunto dos resultados das análises de exames e queixas, sem que possam
expressar suas sensações e intuições. E por causa da desumana e às vezes brutal
medicina tecnológica, voltam-se para medicinas mais “suaves”. Enquanto isso, os
médicos, focados apenas no materialismo, tendem a privilegiar somente os
detalhes. Julgam poder tratar um problema específico agindo sobre algo que está
anormal, mas, com isto, negligenciam as repercussões de seu tratamento no resto
do organismo e ignoram as consequências de sua ação no ambiente. Esta falta de
visão de conjunto acarreta muitas vezes uma enorme quantidade de exames
desnecessários e tratamentos dispensáveis. Com isto, uma próspera indústria
farmacêutica se desenvolve e os custos da saúde aumentam além de qualquer
previsão. Já podemos nos perguntar por quanto tempo os sistemas de seguridade
social e planos de saúde privados terão condições de continuar arcando com tais
despesas.
As abordagens alternativas e complementares constituem talvez soluções capazes de conter essa escalada do consumo de tratamentos. Com efeito, privilegiando uma visão global do ser humano, essas práticas insistem no potencial interno de cada indivíduo, estimulam a preservar o frágil equilíbrio entre o corpo e o espírito e tentam mobilizar as capacidades de autocura do organismo. Sua preocupação em prevenir a doença em vez de curá-la representa sem dúvida uma atitude mais inteligente, mais responsável, menos custosa e menos poluente, em perfeita concordância com uma consciência ecológica que respeite o ser humano e o planeta.
As abordagens alternativas e complementares constituem talvez soluções capazes de conter essa escalada do consumo de tratamentos. Com efeito, privilegiando uma visão global do ser humano, essas práticas insistem no potencial interno de cada indivíduo, estimulam a preservar o frágil equilíbrio entre o corpo e o espírito e tentam mobilizar as capacidades de autocura do organismo. Sua preocupação em prevenir a doença em vez de curá-la representa sem dúvida uma atitude mais inteligente, mais responsável, menos custosa e menos poluente, em perfeita concordância com uma consciência ecológica que respeite o ser humano e o planeta.
Para
Andrew Weil, pioneiro nesse terreno e criador de um programa de formação em
medicinas alternativas e complementares na Universidade do Arizona, “a medicina
alopática é necessária para tratar 10 a 20% dos problemas de saúde. Quanto aos
80 a 90% restantes, não havendo urgência ou necessidade de tomar medidas de
ação rápida, dispomos de tempo para experimentar outros métodos, tratamentos
frequentemente menos caros, menos perigosos e, no fim das contas, mais
eficazes, pois agem de acordo com os mecanismos de cura do corpo em vez de
enfraquecê-los”.
O
discurso que opunha a medicina convencional às terapias alternativas, portanto,
já não faz sentido. Trata-se, isto sim, de avaliar a eficácia e o lugar de cada
abordagem no contexto de uma “medicina integrada”. É nesse espírito que a OMS
recomendou recentemente mais colaboração entre médicos convencionais e os
profissionais de saúde alternativos e complementares, pois está surgindo um
consenso mundial: é preciso estimular uma reforma do setor de saúde.
FALTA DE INFORMAÇÃO
Meu percurso a meio caminho entre a medicina
convencional e as terapias alternativas e complementares, assim como minhas
pesquisas sobre a natureza das relações entre o corpo e o espírito, levaram-me
a criar uma abordagem psicoterapêutica adaptada ao acompanhamento das doenças
físicas. Em minhas consultas, tenho contato com muitos pacientes que, para
complementar tratamentos da medicina científica, buscam a ajuda de
profissionais alternativos. A maioria não ousa revelar isto a seu médico. Recorrem,
geralmente, a explicações do tipo “Ele não vai entender”, “Ele vai dar de
ombros e rir na minha cara” ou até “Ele pode se aborrecer!” [...] Certamente
devemos lamentá-lo, pois, quatrocentos anos antes de nossa era, Hipócrates já
insistia na importância de uma relação de confiança entre o médico e seu
paciente, elemento essencial no processo de cura.
O
grande risco dessa falta de comunicação é deixar a porta aberta para toda uma
série de charlatães. Conheci vários deles em minhas explorações pelo mundo das “medicinas
paralelas”. Também cruzei com alguns de jaleco branco, nos corredores de
grandes hospitais universitários. Pois os charlatães nem sempre enganam
intencionalmente as pessoas. São às vezes profissionais de formação insuficiente
ou mal informados. Alguns demonstram boa fé, mas também se mostram totalmente
cegos por suas crenças e superstições. Por isso, há necessidade de convencer
que certos terapeutas alternativos e certos médicos convencionais podem se
tornar um verdadeiro risco para a saúde dos pacientes.
Às
vezes, a falta de espírito de abertura de uns e outros os leva a negar ou mesmo
a desacreditar certas abordagens sem se ter dado o trabalho de verificar sua
eficácia ou entender seus mecanismos de ação. É pena, pois sua ignorância
sustenta crenças que impedem a abertura de um debate objetivo que contribua
para fazer evoluir a ciência e atender às necessidades dos pacientes. Entregues
a si mesmos, os doentes buscam então informações em obras ou sites da internet
cujas intenções comerciais e influências ideológicas nem sempre podem ser
detectadas com facilidade. Parece urgente, portanto, que os profissionais da
saúde se informem com seriedade, para poder orientar seus pacientes
honestamente. A função do “doutor” assumiria, assim, toda a sua dimensão, já
que o significado de docere, em latim
é “ensinar”.
UMA NOVA CIÊNCIA
[...]
O crescente interesse da comunidade científica pelas medicinas não
convencionais pode transformar nossa visão da natureza humana e influenciar
nossa maneira de encarar a doença, a saúde e a ajuda terapêutica. Como prova,
basta lembrar que, ao longo dos três últimos séculos, cada etapa do progresso
científico contribuiu para a evolução do conceito de doença. Esta foi sucessivamente
definida como disfunção orgânica, dano celular, desequilíbrio molecular e, mais
recentemente, anomalia genética. Todavia, uma doença não se resume a isto. A doença
é “algo” que causa sofrimento ao indivíduo. Sem meios de alcançar e tratar
objetivamente as múltiplas dimensões da pessoa humana, a medicina reducionista
é incapaz de quantificar ou estabelecer modelos para o sofrimento físico,
emocional e intelectual dos doentes. Quanto mais ela se especializa e se
interessa pelos detalhes, menos está em condições de compreender e aliviar o
indivíduo globalmente. É ai que as práticas alternativas tem um papel a
desempenhar.
Trata-se,
portanto, de traduzir os conceitos holísticos das medicinas alternativas e
complementares nos termos da cultura científica moderna. Não é uma tarefa
fácil. Para tanto, os métodos da ciência reducionista destinam-se a avaliar os
efeitos de um tratamento preciso em manifestações patológicas bem definidas. Porém,
no caso de muitos tratamentos alternativos e complementares, apresenta-se a
necessidade de avaliar a eficácia de agentes complexos [...] no indivíduo em
sua globalidade. Assim, o reducionismo analítico não parece adequado para
estudar as terapias não convencionais. Com isto, vários especialistas sugerem
que seja criada uma “ciência epimédica” capaz de estudar o efeito de agentes
complexos no supersistema que é um ser humano, considerado em todas as suas
dimensões.
COMPREENDER MELHOR O SER HUMANO
[...]
Para o naturopata e osteopata Leon Chaitow, responsável por um programa de
ensino na Universidade de Westminster, em Londres, se quisermos criar clínicas
de “medicina integrada” será necessário compreender e assimilar a linguagem dos
outros, colocar o paciente no centro de todas as preocupações e deixar de lado
os problemas de ego. O ego é humano. Logo, também é da esfera da medicina.
Podemos encontra-lo tanto nos profissionais alternativos quanto nos médicos
convencionais. O problema não é novo, pois, já no século XVII, Molière o
denunciava em seu teatro, no qual muitas vezes o interesse do paciente é
relegado em benefício do interesse da medicina e dos médicos.
[...]
Atualmente, certas instituições das culturas tradicionais são explicadas
racionalmente por nossa cultura científica. Outras mantem-se totalmente
estranhas ao pensamento médico ocidental. Isto não deveria constituir obstáculo
para o estudo das medicinas alternativas e complementares. Ao contrário, a
verdadeira atitude científica consiste em observar os fatos, tentar
reproduzi-los e procurar entender seus mecanismos. [...]
Às
vezes, o desejo de explicar tudo em termos científicos leva a verdadeiros delírios.
Nesses casos, mais vale admitir a validade de certas metáforas com o intuito de
poder traduzi-las na linguagem da ciência moderna. Tanto mais que, na
velocidade em que progride o conhecimento científico, cabe esperar que não leve
muito mais tempo para que seja superado o abismo que separa as medicinas
alternativas e complementares da medicina convencional. Já começamos a aceitar,
por exemplo, a ideias de que o psiquismo age no corpo e, em contrapartida, o
estado do corpo influencia os processos cognitivos e as vivências emocionais. Estudos
de vanguarda indicam que o conceito oriental de energia é uma realidade
fisiológica, bioquímica e eletrônica – um suporte da informação que organiza a
matéria viva. Certos pesquisadores acreditam que os campos eletromagnéticos
emitidos pelo corpo permitem uma comunicação sutil e invisível entre os
indivíduos. Os laboratórios das grandes universidades se interessam pela
influência do amor e das emoções positivas na boa saúde do corpo e do espírito.
Fluidez e coerência estão no centro das investigações científicas. Novos modelos
são inventados para descrever o humano.
Por
que ficamos doentes? O que desencadeia a cura? O ser humano inventou numerosas
medicinas para aliviar suas tensões e dores. Como estabelecer vínculos e
construir passarelas entre essas diferentes abordagens? Medicinas do espírito
que agem sobre o corpo. Medicinas do corpo que agem sobre o espírito. Medicinas
de energia que cuidam do corpo e do espírito. A compreensão dessas diversas
práticas terapêuticas representa uma oportunidade única de situar novamente o
ser humano enquanto pessoa física, emocional e intelectual no centro do debate
científico. Esta é também uma oportunidade inesperada de inventar soluções mais
adaptadas à evolução de nossas sociedades, defrontadas com a
urgência de preservar o planeta em que vivemos.