quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O FUTURO DA MEDICINA


Texto de introdução do livro “A Solução Interior: descubra o potencial de cura que há em você” de Thierry Janssen. Recomendo a todos a leitura, especialmente aos profissionais da área da saúde.



O COMEÇO DE UMA REVOLUÇÃO MÉDICA

Quando eu trabalhava em hospital, o futuro da medicina parecia-me essencialmente ligado aos avanços da genética, das neurociências e da robótica cirúrgica. [...] Sobrecarregado de trabalho, como a maioria de meus colegas, eu vivia num universo fechado, e estava longe de imaginar que, lá fora, muitos pacientes procuravam terapeutas cujas práticas não eram ensinadas na universidade. O que eles encontravam junto a esses terapeutas “alternativos” ou “complementares” nada tinha a ver com a tecnologia sofisticada da medicina moderna. Tratava-se, antes, de uma certa qualidade de conto humano, de uma escuta diferente, de bom senso e, sobretudo, do despertar de um potencial de cura que está adormecido em cada um de nós.
[...]Só depois de deixar o cargo de cirurgião na Universidade de Bruxelas descobri a importância do fenômeno. Foi um pouco inesperado, já que, no início, minha motivação não era pesquisar outras formas de tratamento, e sim entender a natureza das relações entre o corpo e o espírito. Nesse contexto, fui levado a estudar as medicinas indiana e chinesa, a fazer contato com quiropráticos e osteopatas, a experimentar a massagem e o shiatsu, a praticar meditação, o ioga e o qigong, a me formar em diferentes terapias psicocorporais, e também na hipnose, e até (iniciativa das mais desconcertantes para um cirurgião) a me iniciar em certas práticas xamânicas com curadores tradicionais. Essas experiências revelaram-se apaixonantes, contribuindo para esclarecer minha compreensão dos processos da doença e da cura. Mas, por estar condicionado por minha educação científica, eu estava convencido de que os universos terapêuticos que eu acabara de explorar continuariam sendo paralelos ao nosso, e jamais seriam integrados à medicina convencional.
Mas mudei de opinião. Afinal, várias estadas nos Estados Unidos permitiram-me constatar que, em reação a mudança de hábitos da população, o pragmatismo da sociedade americana vem criando uma série de condições que podem, com o tempo, transformar profundamente o cenário médico.[...]

UMA FILOSOFIA DIFERENTE

          Esse interesse por outras formas de tratamento médico parece perfeitamente justificado quando sabemos que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% dos sistemas de tratamento no mundo envolvem medicinas tradicionais.
             Na verdade, a maioria das terapias alternativas e complementares deriva diretamente das medicinas tradicionais. Algumas são muito antigas. A OMS as define como “um conjunto de práticas nas quais os pacientes são considerados em sua globalidade, dentro de seu contexto ecológico. Essas terapias insistem no fato de que a doença ou o mau estado de saúde não é causado apenas por agente externo ou uma disposição patológica específica, sendo antes de tudo consequência do desequilíbrio de uma pessoa em relação a seu sistema ecológico.”
              Em outras palavras: as terapias alternativas e complementares levam em conta diferentes dimensões do ser humano – física (o corpo e o movimento), emocional (as sensações e os sentimentos), intelectual (o cérebro e suas capacidades cognitivas) e espiritual (a compreensão de si mesmo, do mundo e dos aspectos transcendentes da vida) -, em estreita relação com o ambiente. De seu ponto de vista, a boa saúde é definida como um estado de equilíbrio, uma relação harmoniosa entre o corpo, as emoções e os pensamentos de um indivíduo. Elas recomendam, assim, uma comunicação fluida entre esses três aspectos do ser humano e relações inteligentes entre o indivíduo, seus semelhantes e  o meio em que vive.
           A abordagem é ampla, global, holística. Muito diferente daquela a que se habituaram as mentalidades ocidentais. E não por acaso: no Ocidente, desde Aristóteles, o mundo é considerado como um conjunto de elementos individuais, separados e isolados. E, desde René Descartes, só se pode estudar o que é visível, perceptível, físico e material, ficando o imaterial entregue apenas às religiões. Operando essa dicotomia, Descartes e, depois dele, filósofos do Iluminismo favoreceram o surgimento de uma visão fracionada do ser humano. De um lado, há o corpo; de outro, o espírito. Reduzido à sua dimensão material, o corpo é descrito como uma mecânica precisa, lógica e sequencial. Seus elementos constituintes são objetivados, classificados e analisados nos mais ínfimos detalhes. Submetidos a natureza e o universo inteiro à mesma lógica, certesianismo, reducionismo e materialismo encontram-se na origem das maiores descobertas da ciência ocidental.
          Em medicina, o reducionismo permitiu enormes progressos. Simultaneamente, está na origem de uma crise significativa. Pois o fato é que, de tanto considerar o corpo como objeto, a  ciência médica esquece que o ser humano também é feito de pensamentos, crenças, sentimentos e emoções. Por isso, muitos doentes se queixam de estar sendo reduzidos ao conjunto dos resultados das análises de exames e queixas, sem que possam expressar suas sensações e intuições. E por causa da desumana e às vezes brutal medicina tecnológica, voltam-se para medicinas mais “suaves”. Enquanto isso, os médicos, focados apenas no materialismo, tendem a privilegiar somente os detalhes. Julgam poder tratar um problema específico agindo sobre algo que está anormal, mas, com isto, negligenciam as repercussões de seu tratamento no resto do organismo e ignoram as consequências de sua ação no ambiente. Esta falta de visão de conjunto acarreta muitas vezes uma enorme quantidade de exames desnecessários e tratamentos dispensáveis. Com isto, uma próspera indústria farmacêutica se desenvolve e os custos da saúde aumentam além de qualquer previsão. Já podemos nos perguntar por quanto tempo os sistemas de seguridade social e planos de saúde privados terão condições de continuar arcando com tais despesas.
              As abordagens alternativas e complementares constituem talvez soluções capazes de conter essa escalada do consumo de tratamentos. Com efeito, privilegiando uma visão global do ser humano, essas práticas insistem no potencial interno de cada indivíduo, estimulam a preservar o frágil equilíbrio entre o corpo e o espírito e tentam mobilizar as capacidades de autocura do organismo. Sua preocupação em prevenir a doença em vez de curá-la representa sem dúvida uma atitude mais inteligente, mais responsável, menos custosa e menos poluente, em perfeita concordância com uma consciência ecológica que respeite o ser humano e o planeta.
                  Para Andrew Weil, pioneiro nesse terreno e criador de um programa de formação em medicinas alternativas e complementares na Universidade do Arizona, “a medicina alopática é necessária para tratar 10 a 20% dos problemas de saúde. Quanto aos 80 a 90% restantes, não havendo urgência ou necessidade de tomar medidas de ação rápida, dispomos de tempo para experimentar outros métodos, tratamentos frequentemente menos caros, menos perigosos e, no fim das contas, mais eficazes, pois agem de acordo com os mecanismos de cura do corpo em vez de enfraquecê-los”.
             O discurso que opunha a medicina convencional às terapias alternativas, portanto, já não faz sentido. Trata-se, isto sim, de avaliar a eficácia e o lugar de cada abordagem no contexto de uma “medicina integrada”. É nesse espírito que a OMS recomendou recentemente mais colaboração entre médicos convencionais e os profissionais de saúde alternativos e complementares, pois está surgindo um consenso mundial: é preciso estimular uma reforma do setor de saúde.

FALTA DE INFORMAÇÃO

           Meu percurso a meio caminho entre a medicina convencional e as terapias alternativas e complementares, assim como minhas pesquisas sobre a natureza das relações entre o corpo e o espírito, levaram-me a criar uma abordagem psicoterapêutica adaptada ao acompanhamento das doenças físicas. Em minhas consultas, tenho contato com muitos pacientes que, para complementar tratamentos da medicina científica, buscam a ajuda de profissionais alternativos. A maioria não ousa revelar isto a seu médico. Recorrem, geralmente, a explicações do tipo “Ele não vai entender”, “Ele vai dar de ombros e rir na minha cara” ou até “Ele pode se aborrecer!” [...] Certamente devemos lamentá-lo, pois, quatrocentos anos antes de nossa era, Hipócrates já insistia na importância de uma relação de confiança entre o médico e seu paciente, elemento essencial no processo de cura.
                O grande risco dessa falta de comunicação é deixar a porta aberta para toda uma série de charlatães. Conheci vários deles em minhas explorações pelo mundo das “medicinas paralelas”. Também cruzei com alguns de jaleco branco, nos corredores de grandes hospitais universitários. Pois os charlatães nem sempre enganam intencionalmente as pessoas. São às vezes profissionais de formação insuficiente ou mal informados. Alguns demonstram boa fé, mas também se mostram totalmente cegos por suas crenças e superstições. Por isso, há necessidade de convencer que certos terapeutas alternativos e certos médicos convencionais podem se tornar um verdadeiro risco para a saúde dos pacientes.
                 Às vezes, a falta de espírito de abertura de uns e outros os leva a negar ou mesmo a desacreditar certas abordagens sem se ter dado o trabalho de verificar sua eficácia ou entender seus mecanismos de ação. É pena, pois sua ignorância sustenta crenças que impedem a abertura de um debate objetivo que contribua para fazer evoluir a ciência e atender às necessidades dos pacientes. Entregues a si mesmos, os doentes buscam então informações em obras ou sites da internet cujas intenções comerciais e influências ideológicas nem sempre podem ser detectadas com facilidade. Parece urgente, portanto, que os profissionais da saúde se informem com seriedade, para poder orientar seus pacientes honestamente. A função do “doutor” assumiria, assim, toda a sua dimensão, já que o significado de docere, em latim é “ensinar”.

UMA NOVA CIÊNCIA

                [...] O crescente interesse da comunidade científica pelas medicinas não convencionais pode transformar nossa visão da natureza humana e influenciar nossa maneira de encarar a doença, a saúde e a ajuda terapêutica. Como prova, basta lembrar que, ao longo dos três últimos séculos, cada etapa do progresso científico contribuiu para a evolução do conceito de doença. Esta foi sucessivamente definida como disfunção orgânica, dano celular, desequilíbrio molecular e, mais recentemente, anomalia genética. Todavia, uma doença não se resume a isto. A doença é “algo” que causa sofrimento ao indivíduo. Sem meios de alcançar e tratar objetivamente as múltiplas dimensões da pessoa humana, a medicina reducionista é incapaz de quantificar ou estabelecer modelos para o sofrimento físico, emocional e intelectual dos doentes. Quanto mais ela se especializa e se interessa pelos detalhes, menos está em condições de compreender e aliviar o indivíduo globalmente. É ai que as práticas alternativas tem um papel a desempenhar.
                Trata-se, portanto, de traduzir os conceitos holísticos das medicinas alternativas e complementares nos termos da cultura científica moderna. Não é uma tarefa fácil. Para tanto, os métodos da ciência reducionista destinam-se a avaliar os efeitos de um tratamento preciso em manifestações patológicas bem definidas. Porém, no caso de muitos tratamentos alternativos e complementares, apresenta-se a necessidade de avaliar a eficácia de agentes complexos [...] no indivíduo em sua globalidade. Assim, o reducionismo analítico não parece adequado para estudar as terapias não convencionais. Com isto, vários especialistas sugerem que seja criada uma “ciência epimédica” capaz de estudar o efeito de agentes complexos no supersistema que é um ser humano, considerado em todas as suas dimensões.

COMPREENDER MELHOR O SER HUMANO

                [...] Para o naturopata e osteopata Leon Chaitow, responsável por um programa de ensino na Universidade de Westminster, em Londres, se quisermos criar clínicas de “medicina integrada” será necessário compreender e assimilar a linguagem dos outros, colocar o paciente no centro de todas as preocupações e deixar de lado os problemas de ego. O ego é humano. Logo, também é da esfera da medicina. Podemos encontra-lo tanto nos profissionais alternativos quanto nos médicos convencionais. O problema não é novo, pois, já no século XVII, Molière o denunciava em seu teatro, no qual muitas vezes o interesse do paciente é relegado em benefício do interesse da medicina e dos médicos.
                [...] Atualmente, certas instituições das culturas tradicionais são explicadas racionalmente por nossa cultura científica. Outras mantem-se totalmente estranhas ao pensamento médico ocidental. Isto não deveria constituir obstáculo para o estudo das medicinas alternativas e complementares. Ao contrário, a verdadeira atitude científica consiste em observar os fatos, tentar reproduzi-los e procurar entender seus mecanismos. [...]
                Às vezes, o desejo de explicar tudo em termos científicos leva a verdadeiros delírios. Nesses casos, mais vale admitir a validade de certas metáforas com o intuito de poder traduzi-las na linguagem da ciência moderna. Tanto mais que, na velocidade em que progride o conhecimento científico, cabe esperar que não leve muito mais tempo para que seja superado o abismo que separa as medicinas alternativas e complementares da medicina convencional. Já começamos a aceitar, por exemplo, a ideias de que o psiquismo age no corpo e, em contrapartida, o estado do corpo influencia os processos cognitivos e as vivências emocionais. Estudos de vanguarda indicam que o conceito oriental de energia é uma realidade fisiológica, bioquímica e eletrônica – um suporte da informação que organiza a matéria viva. Certos pesquisadores acreditam que os campos eletromagnéticos emitidos pelo corpo permitem uma comunicação sutil e invisível entre os indivíduos. Os laboratórios das grandes universidades se interessam pela influência do amor e das emoções positivas na boa saúde do corpo e do espírito. Fluidez e coerência estão no centro das investigações científicas. Novos modelos são inventados para descrever o humano.
                Por que ficamos doentes? O que desencadeia a cura? O ser humano inventou numerosas medicinas para aliviar suas tensões e dores. Como estabelecer vínculos e construir passarelas entre essas diferentes abordagens? Medicinas do espírito que agem sobre o corpo. Medicinas do corpo que agem sobre o espírito. Medicinas de energia que cuidam do corpo e do espírito. A compreensão dessas diversas práticas terapêuticas representa uma oportunidade única de situar novamente o ser humano enquanto pessoa física, emocional e intelectual no centro do debate científico. Esta é também uma oportunidade inesperada de inventar soluções mais adaptadas à evolução de nossas sociedades, defrontadas com a urgência de preservar o planeta em que vivemos.